Deixis
A deixis designa o conjunto de palavras ou expressões (expressões deícticas) que têm como função ‘apontar’ para o contexto situacional. Deste modo, essas palavras ou expressões, ao serem utilizadas num discurso, adquirem um novo significado, uma vez que o seu referente depende do contexto. Por outras palavras, a deixis pode ser definida como o conjunto de processos linguísticos que permitem inscrever no enunciado as marcas da sua enunciação, que é única e irrepetível. Assim, assinalam o sujeito que enuncia (locutor), o sujeito a quem se dirige (interlocutor), o tempo e o espaço da enunciação.
O sujeito da enunciação/locutor é o ponto central a partir do qual se estabelecem todas as coordenadas do contexto: eu é aquele que diz eu no momento em que fala; tu é a pessoa a quem o eu se dirige; agora é o momento em que o eu fala; aqui é o lugar em que o eu se encontra; isto é um objecto que se encontra perto do eu, os tempos verbais indicam um tempo anterior, simultâneo ou posterior ao momento da enunciação (ex.: escrevi, escrevo, escreverei). Com efeito, é o sistema de coordenadas referenciais (EU/TU—AQUI—AGORA) da enunciação que possibilita a atribuição de sentidos referenciais.
“A própria palavra deixis, pelo seu sentido etimológico, está associada ao gesto de “apontar”.
O diálogo que se segue apresenta a negrito os elementos deícticos:
Joana: Eu amanhã encontro-te aqui às 10h.
Pedro: Eu não estou disponível! Pode ser de tarde?
No primeiro enunciado, eu significa Joana, enquanto, no segundo, eu significa Pedro, tal como o pronome pessoal te do primeiro enunciado. Também o deíctico amanhã só pode ser correctamente interpretado com conhecimento do dia em que decorreu este diálogo, uma vez que significa sempre o dia seguinte ao da enunciação. Do mesmo modo, o advérbio aqui apenas pode ser definido conhecendo o local da enunciação. Finalmente, sufixos flexionais de tempo-modo-aspecto e pessoa-número indicam, neste caso, simultaneamente a pessoa e o tempo verbal: o tempo utilizado (presente do indicativo) indica uma acção que decorrerá num futuro próximo ao do presente da enunciação.
Assim, a interpretação deste enunciado requer o conhecimento das coordenadas AGORA-AQUI, caso contrário, a comunicação revela-se ineficaz. O mesmo acontece em relação à coordenada temporal num cartaz em que se omitiu a data a que se refere hoje:
Hoje, greve geral dos ferroviários!
Os deícticos inserem-se em diversas categorias gramaticais, adquirindo sentido pleno apenas no contexto em que se emitem. Assim, pertencem à categoria dos deícticos:
— os pronomes pessoais;
— os pronomes e determinantes possessivos;
— os pronomes e determinantes demonstrativos;
— os artigos;
— os advérbios de lugar e de tempo;
— os tempos verbais;
— alguns vocábulos, como ir / vir (movimento de afastamento / aproximação em relação ao espaço em que se encontra o locutor e interlocutor, respectivamente).
Em função da sua natureza deíctica, é possível apresentar a seguinte classificação:
Deixis pessoal — indica as pessoas do discurso, permitindo seleccionar os participantes na interacção comunicativa. Integram este grupo os pronomes pessoais (ex.: tu, me, nós, etc.), determinantes e pronomes possessivos (ex.: o meu, o vosso, teu, etc.), sufixos flexionais de pessoa-número (ex.: falas, falamos, etc.), bem como vocativos. (Algumas formas verbais não apresentam um sufixo flexional específico de pessoa-número (ex.: falo, disse, fizer, etc.). Nestes casos, o sufixo inclui as informações relativas ao tempo-modo-aspecto e pessoa-número, tratando-se assim de uma amálgama).
Quanto eu disser não ouças,
quanto eu fizer não vejas;
e, se eu estender as mãos,
não me estendas as tuas.
Aceita que eu exista como os sonhos
que ninguém sonha,
as imagens malditas que no espelho
são noite irreflectida
Talvez que então
da pura solidão
eu desça à vida.
(J. Sena, Fidelidade)
Deixis espacial — assinala os elementos espaciais, tendo como ponto de referência o lugar em que decorre a enunciação. Ou seja, evidencia a relação de maior ou menor proximidade relativamente ao lugar ocupado pelo locutor. Cumprem esta função os advérbios ou locuções adverbiais de lugar (ex.: aqui, cá, além, acolá, aqui perto, lá de cima, etc.), os determinantes e pronomes demonstrativos (ex.: este, essa, aquilo, o outra, a mesma, etc.), bem como alguns verbos que indicam movimento (ex.: ir, partir; chegar; aproximar-se; afastar-se, entrar, sair, subir, descer, etc.).
— Vamos até ali... — convidou, implorativo, o Leonel, perdido pela namorada.
— Ali, aonde? — perguntou ela, sem forças para resistir.
— Ali adiante...
(M. Torga, Novos Contos da Montanha)
Deixis temporal — localiza, no tempo, factos, tomando como ponto de referência o “agora” da enunciação. Desempenham esta função os advérbios, locuções adverbiais ou expressões de tempo (ex.: amanhã, ontem, na semana passada, no dia seguinte, etc.) e sufixos flexionais de tempo-modo-aspecto (ex.: falarei; faláveis, etc.).
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
(…)
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã
(Á. Campos, Poesias)
Deixis social — assinala a relação hierárquica existente entre os participantes da interacção discursiva e os papéis por eles assumidos. Servem de suporte a esta função os elementos linguísticos pertencentes às chamadas formas de tratamento (ex.: o senhor, vossa excelência, senhor director, etc.).
Eu quero prevenir já o senhor doutor de que em minha casa um banho é um banho, quero dizer, é para uma pessoa se lavar. (V. Ferreira, Aparição)
Gramática da Língua Portuguesa, de Clara Amorim e Catarina Sousa (com supervisão científica de Mário Vilela e consultoria científica de Alina Villalva)
Um cantinho onde o Português, a Literatura, os vários discursos, os enunciados, as opiniões, as críticas... podem ser teus...
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Contra a falência da Língua Portuguesa
Poema da Ortografia
Há? À? Ás? Às?
HÁ ou À como é que escrevo?
Oh que grande problema!
Nunca sei fazê-lo bem,
Fico sempre num dilema.
Se quero dizer que EXISTE,
Sei que escrevo com Hagá:
HÁ bolachas e HÁ biscoitos
Esta não me faz gagá!
HÁ barulho! HÁ silêncio!
HÁ peixinho bem fresquinho!
HÁ pessoas na estrada.
HÁ castanhas e bom vinho!
A dificuldade aumenta
Se quero falar de tempo:
HÁ muitos dias atrás?
Ou À muitos dias? Tormento!!
Ora até esta questão
É bem fácil de explicar
Sempre que contarmos ‘tempo’
O hagá vai abancar:
HÁ quinze dias atrás;
Há dois meses, pois então!
HÁ anos! Há pouco tempo!
Bem ‘farcinho’, não é não?
E agora vem aí
Outra dúvida a valer:
O HÁ já eu sei escrever,
Então a outra? Posso saber?
O À com acento grave
Acompanha o feminino
Pois ele é preposição
Mais artigo definido.
Se eu puder trocar o À
Pela expressão «A UMA»
Então já posso dizer:
-Não tenho dúvida alguma!:
Vou À praia (A UMA praia);
À pergunta ele fugiu.
À menina respondi!
«A UMA» também surgiu.
Outro teste eficaz
Para saber distinguir,
É usar o MASCULINO
Numa frase a seguir:
Dei À mãe ou dei AO pai;
Vou À Festa ou AO cinema;
ÀS terças ou AOS feriados;
Deixa assim de ser problema.
E, agora, finalmente,
ÀS ou ÁS que confusão!
ÀS é plural de À;
ÁS é de campeão!
Só uso o Ás com as copas,
Com paus, espadas e ouros
Ou para dizer a alguém
És um Ás, mereces louros!
Espero que tenha ajudado
Toda a gente a perceber
Não HÁ coisa mais bonita
Do que saber escrever!
Paula Castelo Branco
Há? À? Ás? Às?
HÁ ou À como é que escrevo?
Oh que grande problema!
Nunca sei fazê-lo bem,
Fico sempre num dilema.
Se quero dizer que EXISTE,
Sei que escrevo com Hagá:
HÁ bolachas e HÁ biscoitos
Esta não me faz gagá!
HÁ barulho! HÁ silêncio!
HÁ peixinho bem fresquinho!
HÁ pessoas na estrada.
HÁ castanhas e bom vinho!
A dificuldade aumenta
Se quero falar de tempo:
HÁ muitos dias atrás?
Ou À muitos dias? Tormento!!
Ora até esta questão
É bem fácil de explicar
Sempre que contarmos ‘tempo’
O hagá vai abancar:
HÁ quinze dias atrás;
Há dois meses, pois então!
HÁ anos! Há pouco tempo!
Bem ‘farcinho’, não é não?
E agora vem aí
Outra dúvida a valer:
O HÁ já eu sei escrever,
Então a outra? Posso saber?
O À com acento grave
Acompanha o feminino
Pois ele é preposição
Mais artigo definido.
Se eu puder trocar o À
Pela expressão «A UMA»
Então já posso dizer:
-Não tenho dúvida alguma!:
Vou À praia (A UMA praia);
À pergunta ele fugiu.
À menina respondi!
«A UMA» também surgiu.
Outro teste eficaz
Para saber distinguir,
É usar o MASCULINO
Numa frase a seguir:
Dei À mãe ou dei AO pai;
Vou À Festa ou AO cinema;
ÀS terças ou AOS feriados;
Deixa assim de ser problema.
E, agora, finalmente,
ÀS ou ÁS que confusão!
ÀS é plural de À;
ÁS é de campeão!
Só uso o Ás com as copas,
Com paus, espadas e ouros
Ou para dizer a alguém
És um Ás, mereces louros!
Espero que tenha ajudado
Toda a gente a perceber
Não HÁ coisa mais bonita
Do que saber escrever!
Paula Castelo Branco
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