terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Portugal no tempo de «Os Maias»

Portugal no tempo de «Os Maias»
Os Vencidos da Vida

É muito importante, para a interpretação ideológica das correntes literárias que vão suceder no segundo romantismo análise do conteúdo político e doutrinário das facções que se envolveram na guerra civil de 1847. A derrota do setembrismo explica a dissolução da mensagem progressista da pequena burguesia; que tivera os seus representantes máximos em Garrett e Herculano.

(...) A Regeneração (que chegou a iludir Herculano, Garrett e José Estêvão) dilui as energias da burguesia descontente na espera pacífica da lenta evolução das estruturas económicas, na promessa demagógica duma nova era de fomento, de "bem-estar para todos". No plano nacional, a Regeneração inicia uma situação ambígua, ao mesmo tempo que consolida e legaliza a corrupção administrativa e empreende a sofisticação dos ideais de 1789. Perdido (ou recolhido à toca da subjectividade) o idealismo dos heróis do Mindelo, transformada a classe média em clientela de súbditos subservientes, iniciados nos clãs dos compadres, à babugem dos restos palacianos de barões com vela acesa no paço e no governo, ordenada para buzinar na charanga de bacharéis, comerciantes, agrários, industriais especuladores, financeiros e funcionários superiores da administração, fica em campo uma classe nova, activa e empreendedora: operariado. Classe que é uma ilha no meio de uma nação esmagadoramente agrária, fortemente vinculada a uma economia de sobrevivências feudais.

O partido ordeiro, onde se recrutam os intelectuais que exploram o sentimentalismo barato do segundo romantismo, substitui praticamente as formações políticas da esquerda burguesa.

(...) Aos escritores ordeiros serão oferecidas oportunidades ordeiras: excelentes empregos nas secretarias do Estado, nas cadeiras do Parlamento, nas Embaixadas, nas Academias, no topo dos Ministérios... O regime parlamentar torna-se um mero ' aparato de discursos magros de ideias ou de habilidosos jogos de palavras. Os senhores deputados, divididos em dois grandes partidos constitucionais, ignorarão comodamente os factos. Recrutados, como esclarece Teófilo Braga, entre "doutores, engenheiros, professores e bacharéis, pois são esses que melhor sabem esgrimir com os vocábulos da língua e embair a representação nacional com banalidades campanudas", contribuem para a centralização política e administrativa depondo nos punhos da autoridade a discussão e resolução dos problemas que deveriam ser tratados pelas comunidades produtoras ou no seio das autarquias municipais.

(...) A Regeneração foi a fórmula política mais eficaz para, sob o aparato o legalidade constitucional, iludir a vontade geral que a burguesia vintista procurara ingenuamente implantar representação parlamentar.

(...) Os homens que sustentaram, tanto no plano da cultura como no plano social, o constitucionalismo foram os responsáveis da versatilidade artística, da anarquia moral, da carência de convicções profundas e divagação intelectual que, no seu conjunto, caracterizam a arte e a literatura que os jovens de Coimbra irão castigar na famosa polémica do Bom Senso e Bom Gosto.

Instalara-se a pedantocracia na sociedade portuguesa. Em breve triunfa a mediocridade: os literatos da "ordem asnática" no sarcástico dizer de Garrett, disfarçam a ausência de ideias com a retórica clássica, num zelo linguístico sem função reflexiva, num jornalismo fácil, mimando grotescamente o antigo ideal iluminista, ou em efusões líricas sem energia moral nem fundamento filosófico. Coloca-se a carreira literária acima das convicções e o artista requer comendas, títulos, lugares.

Alberto Ferreira, Perspectiva do Romantismo Português.

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