Miguel Torga, pseudónimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, nasceu em São Martinho da Anta (Trás-os-Montes), em 1907. Formado em Coimbra, pertenceu ao grupo inicial da Presença. Desligando-se dela em 1930, em companhia de Edmundo de Bettencourt e de Branquinho da Fonseca, com este último lança no mesmo ano a revista Sinal e depois a Manifesto. Viveu em Coimbra, entre a clínica e a Literatura.
Tem cultivado a poesia, a prosa de ficção e, incidentalmente, o teatro. Em poesia, escreveu: Ansiedade (1928), Rampa (1930), Tributo (1931), Abismo (1932), O Outro Livro de Job (1936), Lamentação (1943), Libertação (1944), Odes (1946), Nihil Sibi (1948), Cântico do Homem (1950), Ah uns Poemas Ibéricos (1952), Penas do Purgatório (1954), Orfeu Rebelde (1958), Câmara Ardente (1962). Em prosa: Pão Ázimo (1931), A Criação do Mundo (3 vols., 1937, 1938 e 1939), Bichos (1940), Montanha (1941), Novos Contos da Montanha (1944), Vindima (1945), Pedras Lavradas (1951). Em poesia e prosa: Diário (10 vols., 1941-1968). Em teatro: Terra Firme e Mar (1941), Sinfonia (1947), O Paraíso (1949).
Toda essa extensa e variada obra gira em torno da mesma ideia motivadora: Miguel Torga é sempre o mesmo homem de pés fincados na terra transmontana, porque nela espera encontrar a explicação para a angustiante condição humana, imediatamente transformada em seu espírito num problema teológico-existencial armado ao redor de indagações-chaves:
quem somos? por que estamos aqui? qual a razão da existência? e a morte? e Deus? Do jogo paradoxal em que se envolvem as perguntas, nasce-lhe a revolta, indignada e violenta algumas vezes, serena e branda outras, mas orientada contra tudo quanto constitui a "circunstância"na qual está mergulhado, e logo transfigurada numa ira titânica contra os Elementos ou Deus, cujo poder não consegue compreender, aceitar ou abater. Como se friccionasse com lixa a alma actormentada, no afã de viver a vida intensamente através do desespero consciente, seu telurismo abre-se em profundos caminhos, desde a blasfémia herética e pagã até uma relativa entrega às forças contra as quais luta em vão, ou converte-se num panteísmo nervoso e tenso, quando não deprimido: em suma, uma "agonia" permanente, a lembrar o mesmo transe em que viveu Manuel Laranjeira, igualmente a debater-se por entre as malhas de dúvidas cruéis e de apelos sem resposta: "Me confesso de ser Homem! / De ser o anjo caído / Do tal céu que Deus governa; / De ser o monstro saído / Do buraco mais fundo da caverna".
Na essência, Miguel Torga constitui um complexo escritor-poeta de largas e humaníssimas medidas interiores, a pra curar impaciente e inocuamente converter em realidade concreta um sentimento humanista que não encontra eco em nada, na terra, no mar, ou no Alto. A consequência imediata para um tal Prometeu amarrado à vida é a solidão, a sensação de exilado no mundo, a vibrar continuamente entre estímulos opostos e a buscar na terra de origem um consolo utópico. O embate incessante em que se empenha o poeta através de estertres e brados ansiosos, apesar da calma ocasional (como em Bichos), produz um "canto" dos mais vigorosos da Literatura Portuguesa actual, em que palpita uma vibração cósmica de remotas e acendradas raízes ibéricas. Melhor que a poesia e a prosa de ficção, documenta o "caso" de Miguel Torga o seu Diário, permanente registo sismográfico de sua atracção pelo abismo e seu incorrespondido humanitarismo: nesse particular, talvez esta obra constitua o ponto alto de sua carreira literária.
Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa
Editora Cultrix, São Paulo
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