O Saudosismo de Teixeira de Pascoaes e A Águia atraíram alguns jovens, dentre os quais Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Mário Beirão (1892-1965), Afonso Duarte (1886-1957), Raul Leal (1886-1964) e outros. Em pouco tempo, todavia, eles alcançam superar a iniciacção saudosista, e à luz das modernas correntes europeias no terreno estético e no filosófico (Picasso, o Cubismo, o Futurismo, Max Jacob, Apollinaire, Max Nordau, etc.) evoluem francamente para o Modernismo, por momentos confundido com o Futurismo.
Em 1915, alguns deles, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, mais Augusto de Santa-Rita Pintor, Luís de Montalvor, Almada-Negreiros, Rui Coelho, Tomás de Almeida, Alfredo Guisado, Armando Cortes-Rodrigues e, de passagem, o brasileiro Ronald de Carvalho, resolvem fundár uma revista que sirva de porta-voz e concretização de seus ideais estéticos, em consonância com o que vai no resto da Europa. Nasce o Orpheu, cujo primeiro número, correspondente a Janeiro-Fevereiro-Março, aparece em 1915, sob a direcção de Luís de Montalvor, para Portugal, e de Ronald de Carvalho, para o Brasil (na verdade, a ideia surgira numa conversa entre os dois travada no Rio de Janeiro, quando o primeiro era funcionário da Embaixada de seu País). Na "Introdução" com que abre o número inicial da publicação, Luís de Montalvor procura fazer a profissão de fé literária de todo o grupo. Referindo-se à revista, diz: "Puras e raras suas intenções com seu destino é o do: - Exílio! Bem propriamente, ORPHEU, é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento...
Nossa pretensão é formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em ORPHEU o seu ideal eso-térico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermo-nos."
E mais para o fim:
"E assim, esperançados seremos em ir a direito de alguns desejos de bom gosto e refinados propósitos em arte que isoladamente vivem por aí", etc.
De acordo com essas ideias estetizantes e confessadamente esotéricas, põem-se a criar uma poesia alucinada, chocante, irritante, irreverente, com o fito de provocar o burguês, símbolo acabado da estagnação em que se- encontra a cultura Portuguesa. A poesia, elevada ao mais alto grau, entroniza-se como a forma ideal de expressar o espanto de existir, e sintetiza toda uma filosofia de vida estética, sem compromisso com qualquer ideologia de carácter histórico, político, científico ou equivalente.
A aderência ao modernismo significa, pois, o rompimento com o passado, inclusive em sua feição simbolista.
Por outros termos, corresponde a um momento em que as consciências se elevam para planos de universal indagação, para a verificação de uma angústia geral, fruto da crise que engolfa a Europa e o Mundo. A guerra de 14 é manifestação nítida dessa crise, provocada pela necessidade de abandonar as velhas e tradicionais formas de civilização e cultura (de tipo burguês) e de buscar novas fórmulas substitutivas. O homem posta-se à frente do espelho, sozinho perante a própria imagem, e angustia-se porque vive uma quadra de desdeificação do mundo, de Beleza, de ausência de Deus ou de qualquer verdade absoluta capaz de explicar-lhe a incoerência visceral e a sem-razão do existir. O reino da anarquia instala-se como fruto do relativismo, nascido com a grande viragem histórica representada pela cultu-ra romântica, de que o Modernismo é legítimo caudatário. Está-se no ápice do processo, ou no início dum estágio mais avançado, como os anos posteriores vieram mostrar. Nasce o desespero, a instabilidade total, porquanto os padrões estão em mudança ou devem ser mudados. Nessa atmosfera, a poesia substitui os mitos, transformando-se, ela própria, num mito.
Um segundo número do Orpheu é publicado, em 1915, sob a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, confirmando o alcance da nova revista e provocando escândalo sufi ciente para determinar a reviravolta cultural preconizada pelos moços. Um terceiro número, embora no prelo, não chega a sair: Mário de Sá-Carneiro, que vem sustentando financeiramente o periódico, suicida-se. Apesar da efémera duração, o órgão havia alcançado seu objectivo, ao mesmo tempo que introduzia o Modernismo em Portugal.
Nos anos seguintes, outras revistas e jornais foram aparecendo com semelhante propósito, ainda que obedecendo a diversa orientação: Centauro (1916), Portugal Futurista (1917), Athena (1924-1925), Contemporânea (1922-1923), Bizâncio (1923), etc.
Dos participantes no Orpheu, merecem destaque Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada-Negreiros.
Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa
Editora Cultrix, São Paulo
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